08 abril 2012

A possível alteração no rendimento da caderneta de poupança - e suas implicações


Não é de hoje que começam a surgir rumores na imprensa que o governo brasileiro estaria estudando a alternativa de se alterar o rendimento da poupança no Brasil - algo que é extremamente impopular e levará a calorosos debates. Percebe-se que nos últimos meses a discussão tem retornado a ganhar notoriedade.
Nesse artigo, farei uma breve análise do funcionamento da poupança no país e da possibilidade de se alterar o rendimento da mesma – bem como implicações.


ORIGEM DA POUPANÇA NO BRASIL E SEU FUNCIONAMENTO ATUAL

No Brasil, D. Pedro II assinou decreto nº 2.723 (de 12 de janeiro de 1.861) estipulando a criação da Caixa Econômica Federal e da caderneta de poupança.
A caderneta de poupança tinha como objetivo captar os recursos que as classes mais pobres tinham para economizar. Este tipo de investimento pagaria 6% de juros ao ano. Ficou estipulado ainda que, sob garantia do Governo Imperial, o dinheiro seria devolvido quando seu dono o desejasse.
Atualmente, a poupança é uma conta de depósitos remunerados pela TR – Taxa Referencial – acrescida de juros mensais para pessoas físicas e trimestrais para pessoas jurídicas.
A poupança é o investimento mais popular e tradicional do país devido, principalmente, a sua simplicidade de aplicação e de resgate. É uma aplicação segura e suas regras de funcionamento são estipuladas pelo Banco Central, por isso existe uma padronização de taxas e de funcionamento em todas as instituições financeiras.
Os valores depositados na poupança são atualizados com base na TR - taxa referencial - do dia do depósito. O cálculo da TR é feito a partir da média das taxas de CDB, prefixado, de 30 dias e sobre ela aplica-se um redutor definido pelo Banco Central.
Para pessoas físicas, além do reajuste monetário, os valores depositados na poupança são atualizados por juros de 0,5% ao mês (6,17% ao ano). As pessoas físicas não pagam imposto de renda em suas aplicações em poupança.
Para pessoas jurídicas, além do reajuste monetário, os valores depositados na poupança são atualizados por juros de 1,5% ao trimestre (6,14% ao ano). Contudo, as pessoas jurídicas com fins lucrativos pagam imposto de renda de 22,5% sobre o rendimento nominal da aplicação.


POR QUE O GOVERNO PRETENDE ALTERÁ-LA?

A remuneração mínima da poupança exerce pressão sobre a política monetária no Brasil – e sobre as taxas de juros.
Como vimos, sob a legislação vigente, a caderneta de poupança é remunerada a uma taxa de juros de aproximadamente 6,15% ao ano, além dos acréscimos da TR.
No caso brasileiro, esta remuneração mínima acabará por funcionar como um piso para a taxa de juros, que não poderão cair ainda mais (mesmo que a taxa de juros real de equilíbrio possa cair).
Basicamente, os investidores considerarão mais atrativo colocar os seus fundos em contas de poupança do que em outros ativos financeiros (como a dívida do governo), cujo rendimento tende a acompanhar a taxa básica de juros (SELIC).
Com efeito, a política monetária brasileira fica atrelada ao rendimento da caderneta de poupança.
O Brasil não terá problemas com rolagens de dívida enquanto as taxas de juros vigentes no país continuarem no patamar que estão.
O que ocorre é que será possível vivenciar no Brasil uma migração de recursos para outros ativos alternativos a SELIC, onde as rolagens da dívida pública se tornarão mais difíceis e o Tesouro terá problemas de caixa, notadamente caso tenha que amortizar parcelas significativas da dívida em vencimento.
Ou seja, o próprio governo brasileiro só poderá manter a rolagem de sua dívida com uma taxa SELIC superior ao rendimento da poupança.


RESUMINDO...

Em suma, há dois motivos para se alterar o rendimento da poupança: um que você ouvirá na imprensa, e outro que não ouvirá.
Você ouvirá que visando reduzir as taxas de juros e convergi-la para as taxas internacionais, o rendimento da poupança terá de ser alterado - necessariamente, reduzido – e isso será bom para você e para o seu país.
Contudo, você não ouvirá o outro motivo fundamental (e não admitido pelo governo): a redução da remuneração da poupança é necessária para manter sua capacidade de rolar a dívida pública – e de endividamento, naturalmente.


CONSEQUÊNCIAS

Disso surge uma dúvida pertinente: Será que todos ganham com essa alteração?
Em suma, os beneficiados da medida serão (grosso modo) os devedores, e os prejudicados serão os poupadores.
O devedor será beneficiado pois verá o custo de suas dívidas sendo reduzida – visto que as taxas de juros estarão caindo. Com tudo o mais constante, haverá um estímulo ao maior endividamento no país.
Os prejudicados serão as pessoas e empresas que formam poupança, pois verão o rendimento de suas aplicações minguar. Com tudo o mais constante, haverá um desestímulo a formação de poupança no país – que já possui uma taxa de poupança baixíssima.


COMO ISSO AFETARÁ SEUS RENDIMENTOS?

Com o rendimento da poupança próximo a 7,5% ao ano, para se fazer o valor de seu investimento duplicar e triplicar (nominalmente), são necessários, respectivamente, 9,24 e 14,64 anos.
Vamos considerar uma alteração na legislação do rendimento da poupança, que faça com que a mesma seja balisada pela taxa SELIC, como é o esperado. Considerando a possível redução na taxa SELIC para valores próximos de padrão internacional e manutenção da TR, podemos supor uma SELIC no Brasil próxima de 4% ao ano e TR próxima de 0,8% ao ano.
Nestes casos, para se fazer o valor de seu investimento duplicar e triplicar (nominalmente), são necessários, respectivamente, 14,44 e 22,88 anos.


O QUE PODERÁ ACONTECER COM A ECONOMIA?

Em termos de conjuntura econômica, é de se esperar que com taxas de juros menores, haja uma menor taxa de poupança no país, um nível de endividamento mais elevado, o custo da dívida pública será reduzida – um bom estímulo pro governo gastar ainda mais do que já gasta – e um cabo de guerra na taxa de investimento e taxa de consumo – em relação ao PIB. Dentre essas duas, a variável que se mostrar mais sensível a variações nas taxas de juros, terá sua participação elevada na economia – e esperamos que seja o investimento, para o bem do país.
Para o poupador, teremos que seus rendimentos cairão significativamente – e consequentemente, sua renda permanente no longo prazo. Por outro lado, os endividados terão mais um estímulo para elevar seus gastos, e se endividar ainda mais. Aos prudentes e que usam coerentemente o crédito, a medida será positiva nesse aspecto.
Além disso, os prazos das dívidas deverão ser alongados – o que dará um fôlego maior ao consumo.

E você, o que pensa a respeito? Aprova a alteração do rendimento da poupança?






6 comentários:

  1. Ou seja, na realidade a redução do rendimento é o meio necessário pro Estado continuar se endividando e crescendo.

    O discurso é um, a prática é outra.

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  2. Nao que a reducao de juros em si seja ruim mas a forma como esta sendo encaminhada na realidade visa fazer com que o estado cresca sobre a sociedade. Nesse sentido sou contra!

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  3. Parabéns pelo blog.

    De acordo com a prestação de contas da União, em 2011, foi gasto 47,x% com juros e amortizações da dívida. Vou colocar um "x" porque não lembro das frações, saúde ficou com 3,9% e educação com 3,x%.

    A arrecadação total de impostos foi de 967 bilhões, só a união arrecadou mais de 600 bilhões, sou seja, esses 47% representam cerca de 300 bilhões. A dívida interna hoje está acima de 2 trilhões. Sou leigo no assunto, trabalho com informática, mas sou curioso pra essas coisas, espero não estar dizendo besteira, mas esta medida não reduziria o gasto com esses juros da dívida interna?

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    1. Olá Ronaldo, agradeço pelo elogio.

      Os fatos são esses: o governo muito gasta com custeio (manter a máquina pública), previdência social e juros da dívida pública.

      O custeio é crescente, a previdência social é explosiva, e os juros da dívida no curto prazo deverão ser decrescentes, visto que a dívida em relação ao PIB está caindo, bem como as taxas de juros pagas.

      Sim, a redução da taxa de juros na economia reduz o gasto com os juros da dívida pública, e isso por um lado é bom.

      Contudo, isso da fôlego pro estado gastar ainda mais. Ou seja, ele não deverá reduzir a dívida, apenas aumentá-la. Até países que possuem taxas de juros muito baixas sobre seus títulos estão tendo problemas de rolagem, como foi o caso dos EUA recente. Mesmo com juros baixos, o endividamento é tão grande que o estado se complica. Isso é o que poderá ocorrer no Brasil, e isso definitivamente não é bom.

      Sobre o Orçamento Geral da União para 2011, as despesas para 2011 foram fixadas em R$ 2,07 trilhões. Desse total, R$ 678,5 bilhões remeteram à rolagem da dívida pública. O Orçamento efetivo de investimento e custeio (manutenção da máquina pública) foi de R$ 1,39 trilhão, incluídas as despesas da seguridade social e os investimentos das estatais.

      De fato é preocupante o gasto com juros, mas a redução das taxa de juros provavelmente não irá reduzir o gasto, pois tenho uma inclinação muito grande a crer que isso será passageiro, pois o estado tem um grande inclinação a se endividar.
      Ele apenas se endivirá mais e pagará taxas de juros menores, mas o pagamento de juros deverá crescer.

      Qual a solução? Uma lei que fizesse com que a dívida pública em relação ao pib fosse constantemente menor que um valor muito baixo do PIB, algo como 10% (ou melhor, por que não eliminar dívida pública?)

      É consenso entre os estudiosos que o alto endividamento do governo brasileiro pressiona as taxas de juros do país. Reduzir o endividamento será algo louvável!

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    2. Thyago, obrigado pela correção, falhei 2 vezes, a arrecadação total foi estimada em cerca de 1,5 trilhão (fonte: http://www.mercadocomum.com/site/artigo/detalhar/razotildees-para-mudar-e-transformar-o-brasil-em-pais-desenvolvido), e aquelas porcentagens são referentes ao orçamento para 2012, e não a 2011.

      Eu sei que nos municípios, as prefeituras tem que prestar contas às camaras municipais a cada quadrimestre, e no último abrange o ano inteiro e aparece tudo que foi gasto no ano, e é possível consultar diretamente no site das prefeituras ou das camaras. Mas não estou encontrando o mesmo a nível federal, procurei no site do senado, Câmara dos deputados e da Receita Federal.

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  4. Ronaldo, sugiro consultar o site do tribunal de contas. Ou ainda, algumas informações mais específicas de contas públicas, pode consultar o site do IPEA.

    Abc.

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