13 novembro 2014

Os grandes desafios de 2015




Certamente, 2015 será um ano de grandes desafios ao país. Colhendo os frutos que o próprio governo plantou, três grandes desafios macroeconômicos confrontarão o Brasil no ano vindouro.  


1.    Realinhamento dos preços administrados:

No Brasil, o termo “preços administrados” – refere-se aos preços não livremente determinados - são insensíveis às condições de oferta e de demanda – visto que são estabelecidos por contratos ou por órgãos públicos. 

Os preços administrados estão divididos nos seguintes grupos: os que são regulados em nível federal – pelo próprio governo federal ou por agências reguladoras federais – e os que são determinados por governos estaduais ou municipais. No primeiro grupo, estão incluídos os preços de serviços telefônicos, derivados de petróleo (gasolina e gás de cozinha), eletricidade e planos de saúde. Os preços controlados por governos subnacionais incluem a taxa de água e esgoto, o IPVA, e a maioria das tarifas de transporte público, como ônibus municipais e serviços ferroviários.

Cabe ressaltar que atualmente, aproximadamente 25% dos preços analisados através do IPCA (índice oficial de inflação) são preços monitorados. Possuem, portanto, uma relevância significativa dentro do índice de inflação (e da economia brasileira). Alterações em preços administrados impactam significativamente sobre os preços livres da economia e a estrutura produtiva da economia (visto que alteram-se os preços relativos).

O problema do realinhamento dos preços administrados decorre da forma como ocorreram as reduções destes preços - mediante uma política tributária de controle de inflação, e não mediante ganhos de produtividade/escala, que podem sustentar preços menores. Nitidamente, a redução dos preços administrados ocorreu visando contrabalancear as persistentes e elevadas altas verificadas nos preços livres – estes puxaram significativamente a inflação no país, acima de 6,5% a.a em períodos recentes. Em suma, o governo objetivou o controle da inflação no país através de política tributária. Ocorre que manter tais preços desalinhados dos fundamentos e da realidade econômica do país não é algo saudável e plausível por longo período. Indubitavelmente, a manutenção de preços congelados/reduzidos artificialmente apenas gera distorções nos preços relativos de uma economia, causando males maiores do que os bens que inicialmente visou. Em última instância, preços congelados/reduzidos artificialmente resultam em redução da produção e escassez de bens.

Não será de se espantar se em 2015, novamente o Brasil se defrontar com um “apagão”. O setor elétrico já se defronta com dificuldades há um bom tempo. Uma política de redução de preços (como ocorreu) apenas estimula a demanda, exatamente em um momento em que a oferta encontra-se pressionada e semi estagnada. 



2.    Desvalorização do Real:

É altamente provável que o ano de 2015 se encerre com o Real desvalorizado. Isto decorre basicamente pela normalização da política monetária nos EUA (fim da flexibilização quantitativa (QE3)). Com a elevação das taxas de juros no exterior, é natural que a nossa economia se torne menos atrativa a investidores. Com efeito, o Real perde valor frente a outras moedas (notadamente o dólar). 

O primeiro problema deste fato decorre do impacto que tal desvalorização exerce sobre a inflação no país. Sempre que a moeda nacional é desvalorizada, ceteris paribus, os bens comprados do exterior se tornam mais caros. E tal repasse de preços ocorre na economia. Com efeito, a desvalorização cambial exerce um impacto positivo sobre a (já elevada e no teto da meta) inflação. 

Um segundo e grave problema diz respeito ao financiamento da economia brasileira. Embora o governo brasileiro seja gigante (com uma carga tributária próxima de 35% do seu PIB), ele não tem feito à lição de casa e equilibrado seu orçamento, poupando recursos – agora flertando com o fim do superávit primário e elevação do déficit nominal.  Elevação da despoupança pública significa menor taxa de poupança nacional (recursos são escassos...). 

Notadamente, com a redução da liquidez internacional (como previsto para 2015) e a valorização do dólar, dificulta-se o financiamento da economia brasileira (o déficit em conta corrente[1] é da ordem de 3,7% do PIB brasileiro). 

Sintetizando o exposto, a depreciação do Real pode dificultar a cobertura do déficit da balança de pagamentos do país. Se por um lado, o déficit nas transações correntes tem crescido desde 2008, os investimentos estrangeiros direto tem permanecido estável desde 2011). Portanto, 2015 possivelmente será um ano de redução na já baixíssima taxa de investimento da economia (próxima de 15% do PIB, uma das taxas mais baixas do mundo) – e consequentemente, redução do crescimento econômico e do potencial de crescimento da economia para períodos futuros. 



3.    Elevação da taxa SELIC:

Como evidenciado nos itens 1 e 2, 2015 será um ano de fortes pressões inflacionárias. Indubitavelmente, o grande desafio da política monetária será (como já está sendo) responder a tais pressões inflacionárias sem resultar em doses massivas de elevação da taxa de juros.

Há alguns anos que o Brasil vem se defrontando com taxas baixíssimas de crescimento econômicos. A intervenção do Estado na economia e nos seus preços tem crescido acentuadamente. O crédito total na economia apenas não tem sido reduzido devido ao crescimento vertiginoso dos bancos públicos – seja em crédito total disponibilizado, seja em participação relativa no crédito total da economia, que neste caso já passa de 50%.  

Também se torna claro que os bancos públicos precisam reduzir seus desembolsos, tendo em vista a segmentação do mercado de crédito brasileiro e seu impacto na taxa de juros. A despeito do aperto monetário via SELIC, a operação dos bancos públicos tem impactado positivamente na taxa de inflação, visto que, basicamente, operam com taxas de juros subsidiadas. Ou seja, a elevação da taxa SELIC pouco tem impactado na operação dos bancos públicos. Se por um lado um aperto monetário tende a reduzir a taxa de inflação, o mesmo não se pode dizer em relação a operação dos bancos públicos, insensíveis a tal taxa. Nesse sentido, visando minimizar as altas na taxa SELIC e aperfeiçoar os mecanismos de transmissão da mesma sobre a economia e os preços, deve-se reconsiderar a forma como operam os bancos públicos no Brasil. Não é justo o restante da sociedade brasileira não subsidiado “pagar”, e caro por sinal, pelo conluio entre Estado e empresas “amigas do Rei”.

Por fim, a combinação da deterioração fiscal já mencionada, com elevação da taxa de juros, põe em cheque a estabilidade da economia, elevando assim o risco de perda do “grau de investimento” que a economia e os títulos públicos possuem. 


 



[1] Conta corrente de uma economia é uma variável de fluxo que mede a taxa pela qual os habitantes de um país estão concedendo ou tomando empréstimos do resto do mundo.
 

 

15 outubro 2014

O básico (do básico) sobre Séries Temporais

O acalorado debate político nas eleições presidenciais brasileiras de 2014 trouxe à tona uma imensa quantidade de estatísticas. Tomados pela bipolaridade partidária em vigor, curiosamente algumas das estatíticas foram usadas ao mesmo tempo pelos dois lados para provar pontos opostos. Por trás deste aparente paradoxo está uma combinação de desconhecimento sobre a análise apropriada de dados e desonestidade daqueles que sabem como fazê-la, mas distorcem resultados propositalmente.

Um tipo de estatística bastante citado nos debates é a série temporal. Pessoalmente, considero que as séries temporais são as “estatísticas políticas” que exigem as análises mais complexas. Entretanto, é relativamente fácil subestimar suas nuances e partir para uma tentativa de identificação dos padrões visuais em um gráfico, escolha que muitas vezes se mostra equivocada.

Apresento aqui o mais básico (do básico) sobre o que está por trás de uma série temporal e uma noção do porquê elas serem tão complicadas. Espero poder auxiliar quem não tanta familiaridade com o assunto e que esteja interessado em um debate mais construtivo.

A série temporal e suas peças
Uma série temporal é simplesmente um valor que é mensurado repetidamente ao longo do tempo. Por exemplo, se medirmos a temperatura de hora em hora ao longo de uma semana, teremos uma série temporal. O mesmo se aplica, em economia, para a taxa de juros, a inflação e o PIB, por exemplo.
Do ponto de vista simples, uma série temporal pode ser vista como a combinação de 4 peças com papéis distintos. Vamos analisar cada uma delas a seguir.
Vamos considerar um exemplo simples e construir nossa análise ao longo do texto. Nesse exemplo, o Supermercado XYZ resolveu medir o número de clientes atendidos por semana e vai utilizar esse número para tomar decisões no futuro.

Peça 1: a tendência
Como o nome sugere, a tendência diz, na média, se o valor medido está subindo ou caindo ao longo do tempo. Ela também diz o quanto está subindo ou caindo. Podemos entender a tendência como uma regra que diz como nossa medida vai evoluir ao longo do tempo. Graficamente, podemos representá-la apenas como uma linha reta.


Suponha que a tendência para o Supermercado XYZ é que o número de clientes por semana aumente bastante no próximo ano, porque a atual diretoria resolveu investir bastante em anúncios no canal de TV local.


Peça 2: o ciclo
Também chamado de sazonalidade, é uma regra que diz em que períodos regulares a medida é mais alta ou mais baixa. Por exemplo, se medirmos a temperatura todo dia às 8 da manhã em Porto Alegre, poderemos ver que nos dias de inverno nossas medições serão na média mais baixas que no verão. Já nas medidas de emprego, sabemos que há sempre um pico no final de ano, refletido pelas vendas mais altas do natal.
Em um gráfico, a sazonalidade mostra as médias conforme o período. Para o Supermercado XYZ, o movimento é sempre maior entre outubro e fevereiro, sendo dezembro o ponto alto.


Combinando então a tendência e o ciclo, teríamos algo assim:


Peça 3: o acaso
Quando estamos falando de uma medição como a temperatura ou mesmo o número de clientes por dia, temos uma infinidade de fatores que podem influenciar nossa medição.
Por exemplo, no caso do supermercado, podemos ter semanas em que muitos clientes frequentes saíram de férias, ficaram doentes ou resolveram comer fora naquela semana. Em outras semanas, novos consumidores podem ter resolvido aparecer, antigos resolveram voltar após um longo tempo sem fazer compras ou alguém passando pela cidade resolveu parar para comprar pilhas. São tantas as possibilidades que simplesmente não temos como considerar todas juntas.
O acaso, aqui, é a soma de todos esses efeitos. Quando eles interferem apenas naquela semana e ao longo do tempo, os aumentos causados por esses muitos fatores compensam as quedas, consideramos que essas variações são aleatórias - ou ruído.
Graficamente, poderíamos representar como algo assim:



E se combinarmos com as peças anteriores, tendência e ciclo, temos:



Peça 4: a inércia
Assim como na física, muitas medidas são afetadas pela inércia. Isto é, o valor medido no próximo período depende um pouco (ou muito) do valor no período anterior. Por exemplo, a temperatura medida às 14h depende bastante da temperatura medida às 13h. Isso ocorre porque não há como a temperatura variar tanto em apenas 60 minutos. Então, as condições da medição anterior não se dissipam totalmente e acabam afetando a próxima medição.
A inércia é especialmente relevante em medidas econômicas. O PIB de um ano depende em parte das indústrias instaladas, das pessoas empregadas e afins. Por mais que ocorram mudanças severas, o ano seguinte nunca começa do zero. Portanto, a inércia afeta o PIB.
Voltando para o nosso exemplo, podemos ver a inércia como os clientes que voltam a fazer compras nas semanas seguintes. Supondo que 70% das pessoas que compraram nessa semana voltarão na próxima, e assim por diante, o gráfico ficaria assim:



Agora, se você já está pensando no próximo gráfico, provavelmente já percebeu o problemão que vem pela frente. Quando combinamos as peças anteriores com a inércia, as coisas complicam. O efeito do acaso não dura somente uma semana, mas repercute nas semanas sucessivas. Assim, o que era para ser só um efeito temporário acaba durando mais. E o da semana seguinte também.
No final das contas, cada medida é uma combinação bastante complicada de todos esses efeitos. Para o supermercado do nosso exemplo, ficaria assim:



Juntando as peças

Vamos imaginar que no ano seguinte a diretoria do supermercado resolvesse mudar sua política. Ao invés de anunciar na TV, redirecionou toda sua verba para anúncios no jornal local (em papel). Combinando os dois anos, o resultado foi esse:



Como verificar se a mudança foi boa ou ruim?
No caso mais comum, uma mudança na política como essa altera a tendência. (Pode alterar os outros componentes também, mas geralmente em menor proporção). Então, para saber se a nova estratégia fez algum efeito, teremos que descobrir se a tendência mudou. E caso tenha mudado, se mudou para melhor.
Quando levamos em conta todos os efeitos, você pode perceber que visualmente é bastante complicado fazer isso.
Talvez não pareça muito claro, mas a mudança na política do supermercado foi para pior. Apesar de vermos um aumento no número de clientes, ele se deu a um ritmo que, na média, foi menor. Na verdade, a tendência caiu pela metade! Ou seja, a política anterior é duas vezes melhor. Aqui foi fácil obter esses valores porque montamos os dados por partes. Confira abaixo.




Ultrapassando os limites desse exemplo, você pode imaginar agora o quão complicado é analisar uma curva de PIB, inflação, dólar e outros. Temos ínumeros ciclos que regem cada uma dessas medições, tanto de curta-duração (alguns meses), como de anos (5 a 8 anos são bastante comuns para variáveis como crédito). Temos “efeitos do acaso” que acontecem em um mês e que perduram nos próximos. E temos a tendência, que, em parte, é influenciada pelo regime ou pela política em vigor. Portanto, no modo mais simples, se quisermos comparar duas políticas ao longo do tempo, temos que tentar extrair cada uma dessas peças e analisá-las separadamente. Não é tarefa fácil e existe toda uma vasta área da estatística dedicada a responder esse tipo de questão - análise de séries temporais.


E agora, fico sem poder opinar?
Não! Com algumas soluções mais simples, você pode extrair mais informações da série temporal.  Mas não se esqueça de que a natureza desse tipo de dado é complicada e que essas soluções trazem inúmeras limitações. Vou me ater a somente uma dessas opções aqui.
O mais fácil a se fazer é tentar reduzir o efeito da inércia. Isso é feito analisando não as medições em si, mas o quanto elas variam a cada novo valor. Essa variação pode ser absoluta (valor atual menos o valor anterior) ou percentual. A série que criamos fazendo essa modificação é também chamada de série em diferenças.
É por isso que se utiliza muito comparações entre taxa de crescimento do PIB ao invés do PIB em si. A tendência e o ciclo continuam influenciando a série em diferenças, mas o efeito da inércia é menor. Se você conhece o ciclo, fica mais fácil identificar visualmente se a tendência mudou.

Espero que o texto tenha te ajudado a entender o que está por trás de uma série temporal e o que levar em conta quando for comparar períodos diferentes, seja na política macroeconômica do governo para defender seu candidato ou para dar seu pitaco se amanhã vai estar mais quente ou mais frio que ontem.