29 setembro 2013

Protestos no Brasil: escolhas e custos



A eclosão dos protestos em 2013 no Brasil teve como origem as manifestações do Movimento Passe Livre. A princípio, era apenas para ser um protesto contra aumento das tarifas de passagens urbanas. Surgidas na cidade de São Paulo, as manifestações repudiavam o aumento de R$0,20 no preço das passagens de ônibus e metrô, exigindo “tarifa zero”. Mas tais protestos, de repente, se transformaram em manifestações intensas, expandiram-se por todo o país, e fugiram do controle do Movimento Passe Livre. O foco em cobrar “tarifa zero” do transporte público, foi consequentemente, abafado. Novas demandas surgiram: mais educação, mais saúde, mais segurança, et cetera... 


Conforme consta no site do próprio Movimento Passe Livre:


“Tarifa zero é o meio mais prático e efetivo de assegurar o direito de ir e vir de toda população nas cidades. Essa idéia (sic) tem como fundamento o entendimento de que o transporte é um serviço público essencial, direito fundamental que assegura o acesso das pessoas aos demais direitos como, por exemplo, a saúde e a educação”.


Como muito ressaltou o economista Milton Friedman, não existe almoço gratuito: no mundo econômico, não existem bens gratuitos. Isso engloba o transporte: motoristas cobram salários para trabalhar. Os veículos utilizados no transporte não caem do céu: eles precisam ser fabricados. A gasolina não verte gratuitamente: ela precisa ser produzida. Os mecânicos que reparam os veículos também cobram pelos seus serviços. Não existem gentileza e gratuidade no sistema produtivo. Para a infelicidade dos que demandam bens “gratuitos”, a realidade econômica é dura, cruel e custosa.


Nunca houve e nunca haverá transporte gratuito. Por mais grotesca e óbvia que aparenta ser tal afirmação, não apenas há pessoas que não compreendem isto, como há aquelas que exigem que isso ocorra, e mais, cooptam membros da sociedade para se engajarem nessa luta.

Para o caso da capital paulista, como consta neste link, demonstra-se que o custo real unitário da tarifa é de R$4,13, sendo R$3,00 o preço ao passageiro e R$1,13 o subsídio (leia-se, impostos) da prefeitura. Após deduzir todos os custos, há um lucro de R$0,13 por unidade de passagem vendida. 



Naturalmente, reduzir a taxa de lucro (ou acabá-la) é o método mais certo para se reduzir a qualidade do transporte público (ou acabá-lo). A reivindicação, portanto, consiste em elevar o subsidio público, de modo a criar uma “tarifa gratuita”.


Muitos membros da sociedade concordam com essa reivindicação. Eles realmente acreditam que um programa como “tarifa zero” seria adequado e/ou legítimo. Mas vamos aos fatos.


Novamente esbarramos no problema da escassez e da inexistência de “almoço gratuito”. A intenção em se implementar um programa de “tarifa zero” esbarraria, portanto, na restrição orçamentária do governo – que o subsidiaria completamente.


Assim como as pessoas (até mesmo o homem mais rico do mundo), o governo também se depara com renda limitada: ele deve, portanto, usar seus restritos recursos de modo a trazer o máximo de bem-estar à sociedade ao menor custo possível.

Disso deriva a seguinte pergunta: como a sociedade pode ao mesmo tempo cobrar MAIS educação, MAIS saúde, MAIS segurança... Sem dar a sua contrapartida, ou seja, os impostos (estes elevados reduzem a restrição orçamentária, possibilitando mais saúde, mais segurança...)?



Restrição orçamentária em termos práticos significa que para se aumentar o investimento em educação (com o orçamento inalterado), necessita-se reduzir a parte dos outros itens da sua “cesta” de investimentos. Se o investimento em educação for elevado, portanto, de 25% para 35% do orçamento, os outros itens PRECISAM ser reduzidos de 75% para 65%. E como fica então saúde, segurança, “transporte”, e tudo o mais que for demandado?



Torna-se claro, assim, que as demandas por MAIS serviços do Estado apenas repercutem na questão: como financiar MAIS bens públicos sem exigir MAIS IMPOSTOS da sociedade? 


Caso essa resposta fosse fácil, o problema econômico fundamental, a escassez, certamente seria abolido.


A sociedade deve, portanto, ser racional em suas reivindicações: pode-se SIM cobrar mais do Estado, mas saber que o custo será, necessariamente, ou mais impostos, ou redução na quantidade e qualidade dos outros serviços prestados.


Exemplo prático para o caso brasileiro: antes do Brasil retornar a democracia, o Estado desempenhava um papel crucial nos investimentos em infraestrutura, mas ao mesmo tempo realizava um baixo investimento em programas sociais. Foi justamente após o rearranjo da atuação estatal, que o Estado pode se engajar em programas sociais e distributivos, como o programa bolsa família.


Consultar os dados de parcela do orçamento público aplicado em investimento (infraestrutura) e programas sociais torna clara a restrição orçamentária: houve redução percentual naquela e elevação percentual nesta. Em suma, o Estado deixou de investir para poder distribuir. Assim, grosso modo, para poder ter o programa bolsa família e outros programas sociais, custou ao Estado se afastar da infraestrutura: custaram as privatizações (“concessões”), que frequentemente tanto se reclama e vilipendia. 


Certamente, a sociedade tem legitimidade em expor sua pauta de reivindicações. Mas também deve reconhecer que escolhas trazem consequências, e com ela, seus custos.
 

21 maio 2013

Distorções nas taxas de juros de longo prazo - Em que resultarão?





As taxas de juros de longo prazo estão em patamares insustentavelmente baixos, induzindo graves distorções econômicas, em especial, bolhas nos preços de títulos e demais ativos financeiros. Quando tais taxas de juros subirem - o que certamente ocorrerá -, tais bolhas irão estourar, sendo que o preço de tais títulos e demais ativos irão cair significativamente, havendo significativas perdas aos seus detentores – e consequências no lado real da economia.

Um exemplo claro da má precificação de títulos ocorre com os T-bonds americanos. Atualmente, tais títulos com maturação de 10 anos possuem um rendimento nominal inferior a 2%. Considerando a taxa de inflação em também 2%, isto implica em uma taxa de juros real negativa, a qual é confirmada pela taxa de juros de -0,6% nas Treasury Inflation Protected Securities (TIPS) de 10 anos – considerando o ajustamento de juros e principal pela taxa de inflação.

Em termos históricos, a taxa real de juros dos T-bonds de 10 anos tem sido de 2%. Com efeito, a taxa atual está 2% abaixo do que tem sido sua média histórica. O que surpreende é que a taxa de 10 anos taxa tem vigorado em um cenário com déficits fiscais e endividamento governamental significativamente inferiores ao atual. No caso americano, com déficits fiscais projetados para 5% do PIB até o fim desta década e uma razão dívida pública / PIB que duplicou em 5 anos – e continua crescendo -, era de se esperar taxas de juros reais das T-bonds significativamente superiores a sua média histórica.

Desse cenário deriva a questão: como perduram taxas de juros reais tão baixas em um cenário tão adverso?

A razão para a sustentação de taxas de juros tão baixas não é um segredo. A política monetária norte-americana, através de seu “QE3”, tem intencionalmente mantido baixas as taxas de juros de longo prazo. Sabe-se que o Banco Central Americano (FED), está comprando T-bonds na ordem de aproximadamente 85 bilhões de dólares por mês (1,02 trilhões de dólares por ano). Considerando que este valor excede o déficit governamental, naturalmente, torna-se desnecessário que o mercado privado assimile tais títulos. É o governo suplantando a necessidade do mercado privado.

Ressalta-se ainda que os investidores estão comprando títulos de longo prazo pelas atuais taxas de juros, pois os rendimentos sobre os investimentos de curto prazo atualmente estão próximos de zero. Ou seja, os investidores estão recebendo um rendimento de 2% em troca do risco de manter títulos de longo prazo (com riscos crescentes).

Na conjuntura atual, há um grande risco em se manter títulos de longo prazo. Explico-me, através de um exemplo: Suponha que a taxa de juros dos títulos de dez anos permaneça inalterada nos próximos cinco anos e, em seguida, suba de 2% para 5%. Durante esses cinco anos, o investidor obtem um rendimento anual de 2%, resultando em um ganho acumulado de 10%. Mas, quando a taxa de juros de um título de dez anos sobe para 5%, o preço do título cai de $ 100 para $ 69. Ou seja, o investidor perde $31 no preço do título, ou três vezes mais do que o rendimento do título no período. Há uma relação risco retorno totalmente desfavorável: para cada $1 ganho, há probabilidade em se perder $3.

O Banco Central Americano tem intencionalmente seguido a estratégia de manter baixas as taxas de juro de longo prazo na esperança de estimular a economia. Contudo, o estímulo parece ser desprezível, ao mesmo tempo em que o risco de bolhas financeiras se torna mais patente – e provável.

A elevação das taxas de juros irá impor perdas aos detentores de títulos de longo prazo, com potenciais implicações na estabilidade das instituições financeiras – e novamente do frágil sistema financeiro.

A baixa taxa de juros dos títulos do Tesouro de longo prazo também tem elevado a demanda por outros ativos de longo prazo que possibilitam rendimentos mais elevados, o que inclui ações, terras, títulos corporativos, ouro e imóveis. Quando as taxas de juros subirem, os preços desses ativos irão cair. Resta saber qual a sensibilidade de cada um destes frente às variações nas taxas de juros...







23 abril 2013

Tomate - o pepino da equipe econômica?



Infelizmente, os meios de divulgação tem prestado um enorme desserviço ao país ao ressaltar a alta no preço do tomate e considerá-la a grande vilã da inflação. Pergunta-se: Como pode um bem que possui participação no orçamento de 0,22% impactar tanto sobre um índice de inflação?
 

Como ressalta Gustavo Franco, “o essencial é que a inflação é um esporte de massa”. Por definição, a inflação é caracterizada como o aumento generalizado dos preços - e não o aumento do preço de um bem.


No caso brasileiro, chama atenção o “índice de difusão”, que mede simplesmente a proporção de produtos dentre os 365 componentes do IPCA cujos preços tenham aumentado no mês. O fato do processo de elevação de preços estar generalizado na cesta de bens considerados no índice ocorre, pois aproximadamente 75% dos bens pesquisados estão sofrendo elevação nos seus preços. A escalada dos preços não se trata, portanto, de um fenômeno isolado, mas sim de um fenômeno amplamente difundido entre os produtos.


Há ainda a defesa de que o comportamento do consumidor pode atenuar o processo inflacionário. É um grande engano essa crença. Explico-me: Há aqueles que sustentam que ao consumidor se abster de consumir o produto que está tendo alta consistente nos preços (como o tomate), forçaria a queda no preço do produto, impactando assim nos índices de inflação. Grande engano. É bem verdade que ao se abster de consumir o produto com preço mais elevado, pressiona-se a queda no preço do bem. Contudo, os consumidores não param simplesmente de consumir, e o fato de se abster de consumir certo produto (como o tomate), não faz com que ele pare de consumir os outros produtos. Ele apenas substitui o consumo do produto em alta (tomate), consumindo outro produto. Neste caso, ao se elevar a demanda dos outros bens, novamente está ocorrendo o processo de pressão sobre os preços (a curva de demanda do novo bem é deslocada para a direita, com novo preço de equilíbrio agora maior). Em suma, abster-se de consumir um bem com preços em alta (como o tomate) não reduz a pressão sobre os índices de inflação!      
     

Como ensinou o professor Milton Friedman, “a inflação é sempre e em toda a parte um fenômeno monetário”. Nesse caso, não há a menor possibilidade de controle inflacionário sem a adoção de rigorosa política monetária. E para haver rigor na política monetária, é necessário que haja independência do Banco Central, e não intromissão de presidente, ou ainda, ministro da fazenda falando sobre controle inflacionário. Inflação é fruto de política monetária, competindo apenas ao Banco Central tratar do assunto.


Em assuntos econômicos, quando o voluntarismo ou a “fé” se sobressai sobre a sólida teoria econômica, vemos péssimos resultados econômicos, como os que estão ocorrendo atualmente no Brasil. Controle inflacionário não se faz com desoneração tributária e controle de preços, mas sim com política monetária prudente. 


Mas para haver política monetária prudente, também é necessário controle na política fiscal... Considerando o entrelaçamento que existe entre política fiscal e monetária, torna-se crível que a política monetária não poderá ser prudente enquanto prevalecer no Brasil “contabilidade criativa” e outras artimanhas da política fiscal conduzida pela pior equipe econômica da história do Brasil.