31 agosto 2011

Obstrução governamental ao desenvolvimento do setor automobilístico: o caso brasileiro

"O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar." Roberto Campos

“O Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo”. Quem nunca ouviu ou repetiu tal afirmação? Embora a frase tenha incorporado o cotidiano do cidadão brasileiro e do jornalismo econômico, pouco se questiona quais as implicações desse fato. É um questionamento semi-nulo, pois se sabe que é ruim, entretanto, abstêm-se de maiores contestações.

Para comentar a respeito dos tributos no país, introduz-se uma parábola conhecida dos brasileiros: certa vez, um cientista colocou água numa panela, e dentro desta panela havia um sapo. O cientista acabou levando então a panela ao fogo brando. A água, ao ser aquecida, naturalmente passou a incomodar o sapo que nadava no recinto, entretanto, como o aquecimento não foi brusco, o sapo passou a se acostumar com o calor da água. Foi somente quando a água se tornou insuportavelmente quente é que o sapo tentou pular para fora da panela, porém já não lhe restavam forças. O seu destino foi trágico.

Foi então que o cientista jogou dentro d’água um segundo sapo, que reagiu imediatamente, e então pulou para fora da panela. Embora o primeiro sapo tenha morrido cozido, o segundo sapo, apesar de ter se queimado um pouco na água quente, sobreviveu.

A realidade tributária do nosso país está muito mais próxima desta parábola do que se é capaz de imaginar.

Em 1947, quando foi medida pela primeira vez a carga tributária brasileira, esta se encontrava em um nível hoje impensável, estabelecida no patamar de 13,8% do PIB nacional (1).

Quase duas décadas depois, já no ano de 1965, embora ainda não fosse insuportável, a carga tributária já se encontrava bem mais onerosa, situada no nível de 19,0% do PIB nacional. Como este aumento foi gradativo, ele pode ser absorvido sem grandes traumas pelos contribuintes.

Como o sistema tributário até então existente, além de anacrônico e defasado se encontrava quase completamente esgotado em sua capacidade de gerar mais receitas tributárias, em primeiro de janeiro de 1965 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 18 que, ao mesmo tempo em que conferiu ares de modernidade ao sistema tributário, renovou ao governo seu potencial arrecadatório.

Após a alteração do sistema tributário, a arrecadação do governo intensificou seu ritmo de crescimento e poucos anos depois, já em 1970, a carga tributária estava situada no patamar de 26,0% do PIB nacional.

Com a atual Constituição, votada em 1988, constatou-se que, tal como ocorrera em relação à Ementa Constitucional nº 18, a pretexto de melhorar o sistema tributário brasileiro, acabou-se conferindo um imenso potencial arrecadatório ao governo.

Com esta nova carta nas mangas, o governo colocou a máquina arrecadadora para funcionar, e isto se deu em tal intensidade que, já no ano de 1990, decorridos apenas dois anos da aprovação da nova Constituição, a carga tributária viu-se aumentada para o patamar de 28,8% do PIB.

A voracidade tributária só crescia, e já em 2002, segundo dados do IPEA (2), a carga tributária estava em 32,35%, chegando em 34,71% em 2007. Dados da receita federal mostram que em 2008, ela chegou ao nível de 35,8% (3).

O ex-presidente Lula, por sua vez, em um discurso no transcorrer do seu mandato presidencial afirmou que “a carga tributária no país continuará alta em nome do bem-estar social do povo brasileiro (4)”. Vamos aos fatos:

No Brasil, a carga de impostos é incrementada ao longo do processo produtivo. O recolhimento tem início na colheita ou mineração passando por etapas como industrialização, distribuição atacadista e continua até chegar ao varejo, onde o consumidor paga os impostos anexados ao preço do produto durante as etapas de produção. Na grande maioria dos casos, a soma dos impostos ultrapassa o custo de produção, de modo que mais da metade do preço final constitui impostos embutidos (5). Este sistema de impostos traz alguns problemas significativos, dentre os quais, pode-se destacar: incremento considerável no preço final, diminuindo assim a demanda, bem como a escala de produção (que frequentemente traz retornos de escala), bem como a omissão do real custo público no país. Convive-se, portanto, com um efeito multiplicador dos impostos (no sentido destrutivo, naturalmente). Embora certos segmentos da sociedade façam a defesa da tributação apenas no varejo, o que poderia reduzir os preços finais, estimular exportações, gerar emprego e elevar os salários, o sistema tributário não aponta para mudanças imediatas, o que nos obriga a conviver com uma carga tributária sufocante.

Exemplificando, no país, os impostos chegam a 40% do valor do carro. É praticamente o dobro da média de países emergentes. Um dos carros mais populares no país, o Volkswagen Gol zero quilômetro, custa R$26.530 nas concessionárias. Sem os impostos, o mesmo carro seria vendido por R$16.000(6). O comércio internacional torna mais claro o entendimento de como o governo brasileiro atrapalha o desenvolvimento do setor automobilístico local: O veículo Honda City, que no Brasil é produzido na cidade de Sumaré (SP), é exportado e vendido no México por R$29.000. O mesmo veículo no Brasil é vendido por R$57.000(7). Que magia é essa que faz com que um carro produzido em um país, seja mais barato no exterior que em sua terra natal? Não existe magia. Existe um fardo, um fardo que o brasileiro conhece muito bem. A explicação para o fato anteriormente exposto é a carga tributária, que no México é muito inferior à nossa.

Mais alguns acontecimentos chamam a atenção e merecem destaque: Quando lançado, o IPI reduzido fez a venda de veículos atingir novo recorde no país, no mês de março de 2010(8). As vendas superaram a marca de setembro de 2009, recorde este também batido em período de ausência do imposto. A medida foi tomada visando combater a crise econômica, e de fato atingiu seu objetivo. Um único imposto da cadeia foi reduzido e ainda assim fez a venda de veículos atingir recorde. O boom no setor foi notável, e poderia ser ainda maior, caso mais impostos da cadeia produtiva fossem removidos. Quão mais barato seriam os carros? Quantos empregos a mais seriam gerados? Quanto investimento por parte das montadoras seria feito? Quantos carros a mais e mais baratos estariam à disposição dos consumidores? ...

Na realidade, certa soma de tributos é necessária para o desempenho das funções essenciais do governo. Para este objetivo, tributos razoáveis não possuem grande efeito maléfico sobre a produção. Neste caso, os serviços prestados pelo governo são aliados da produção, alavancando-a, e assim, a carga é uma compensação por isto. Entretanto, ao passar desse nível, quanto maior for à tributação, maiores serão os empecilhos à produção, ao investimento e aos empregos do setor privado.

As indagações anteriormente levantadas nos levam ao questionamento sobre a finalidade da atividade econômica. Ela serve para propiciar conforto material e assim contemplar os anseios dos agentes ou para dar tributos ao governo? Ainda que se defenda uma mescla de ambos, os fatos comprovam que no caso brasileiro, a diminuição da carga tributária foi mutuamente benéfica, pois melhorou a situação tanto dos consumidores e produtores, quanto dos Estados. Eis uma síntese do por quê:

Iniciado em dezembro de 2008 sob o pretexto de ser uma medida anticíclica, a isenção para carros populares e redução do IPI para automóveis maiores atingiu resultados inesperados até para os mais otimistas. Além de promover um crescimento consistente das vendas, ainda ajudou o caixa dos Estados, que arrecadaram mais com os impostos ICMS e IPVA, ainda que tivessem perdido com os repasses federais. A venda de veículos em 2009 com relação a 2008 aumentou 11%. O emplacamento de veículos no primeiro trimestre deste ano cresceu 17,9% com relação ao mesmo período do ano passado(9). Ainda que o governo federal tenha reduzido em 4.2 bilhões as receitas tributárias com a medida, ocorreu uma compensação com o aumento das vendas, pois o bom desempenho do setor elevou em 2.07 bilhões as receitas de ICMS e 230 milhões em IPVA. Esse incremento não beneficiou unicamente os Estados. Um quarto da arrecadação de ICMS é dividida com municípios e metade do IPVA se destina a prefeitura na qual o automóvel é emplacado(10).

Os dados curiosos não param: A quantidade de pessoas comprando carro novo pela primeira vez passou da metade. A amostra indicou 53,7% (em março de 2010) ante 43% da pesquisa que ele mesmo fez em novembro de 2007. Outro dado: 68% dos entrevistados declararam renda entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil. Tais fatos demonstram que o governo desobstruindo o setor não só permite que mais pessoas tenham acesso a carros melhores, mas também que consumidores de faixas de renda menores também tenham.

Analisando em termos de cadeia, é muito provável que a arrecadação da União tenha se elevado com o fim do IPI. Sabe-se que no Brasil o setor automobilístico tem uma participação notável no PIB. Ainda que a elevação das vendas tenha quase fechado o caixa da união, é de se supor que todos os setores que foram positivamente afetados pelo incremento do segmento automobilístico tenham não só compensado, como elevado as receitas da União. Sistema elétrico eletrônico, aço, não ferrosos, sintéticos, plásticos, borrachas, peças, conjuntos, latarias, processos de acabamento, propulsão, suspensão, engenharia, óleos, vidros, TI, combustíveis, bicombustíveis, estradas, maquinários, mão de obra técnica e especializada, eis alguns dos beneficiados imediatamente pelo setor automobilístico.

Além disso, os benefícios não facilmente vistos pela cooperação são grandes e de suma importância para a sociedade. A oportunidade de gerar e consumir mais riqueza, fato esse consumado pela desoneração fiscal, só comprova como o estímulo a produção, a livre associação e a cooperação humana são importantes para todos. Pessoas desempregadas agora trabalhando, crescimento da produção, bem-estar material elevado, pleno uso dos fatores de produção, ganhos de produtividade, investimentos, pesquisa, dentre outros.

Esta é uma síntese do por que é importante o Estado reduzir seu peso, não somente para possibilitar o crescimento econômico, mas também para efetivar espontaneamente aquilo que nosso ex-chefe de Estado disse almejar em sua afirmação visivelmente contraditória: maior bem estar social.


* As referências seguem no anexo PDF.


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Um comentário:

  1. Um interessante exemplo de como se dá, nas palavras de Bastiat, aquilo que não poderia ser visto. Mesmo um recuo mínimo no tamanho do governo pode causar efeitos significativos na produção, aumentando a oferta de bens e impactando positivamento no bem-estar.

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